Monique se liberta, romances sem ficção e Cormac McCarthy leitor de Foucault
Minha resenha pro novo Édouard Louis em O Globo, pactos fáusticos em A substância, apocalipse climático e algumas notas sobre citação na literatura
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Saiu hoje no Segundo Caderno do jornal O Globo minha resenha para Monique se liberta, o mais recente romance do Édouard Louis, lançado no Brasil dia desses. Édouard Louis é a atração principal de hoje na FLIP. Senti uma certa guinada nesse livro em relação aos outros, o que torna a obra um tanto mais complexa e interessante. Gosto bastante do Édouard Louis. É uma das grandes inspirações do meu próximo livro, Tempo fantasma, que deve tratar de questões difíceis de escrever e pesadas de elaborar.
Entre os trechos da resenha que tive que tirar para caber, ficou esse parágrafo. que devo usar em um ensaio mais elaborado sobre essa vertente do “romance sem ficção”, algo que tem me interessado bastante:
Quando os segmentos marginalizados começam a escrever, precisam em certa medida construir novas formas de dizer. Isso exige investigar novas tecnologias expressivas, para além da pacífica província da ficção.
Walter Benjamin, em um dos seus textos mais famosos, disse que as formas narrativas, o lado épico da verdade, construída historicamente, se movem tão lentamente como as placas tectônicas. Houve épocas sem romances de ficção no passado. E pode haver épocas sem eles no futuro. Essas mudanças de longa duração são imperceptíveis a olho nu. Mas podemos rastrear alguns vestígios dessa transformação. Se estivermos abertos. E desprendidos da nostalgia dos regimes estéticos engessados.
Link para a resenha no O Globo.
Já tinha escrito um artigo mais longo sobre os outros livros dele para o BdF.
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Luana e eu saímos do cinema ainda sem entender muito bem se tínhamos gostado ou não de A substância. Achamos de início as metáforas muito literais. São tempos meio brutos, mesmo. Mas depois de um tempo, comecei a ver alguns elementos interessantes no filme, principalmente se buscarmos o quanto ele bebe de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
Foi isso que tentei abordar no meu texto para o BdF na semana passada.
Enquanto o país ardia em chamas, escrevi também sobre as graphics novels A estrada e O perfuraneve. Não é surpreendente que, no mesmo momento que incêndios varriam o planeta, um jovem bilionário fazia turismo no espaço? Leia aqui.
Uma coisa que notei relendo A estrada pra aula de setembro do meu curso na livraria Candeeiro aqui em Campinas foi a quantidade de sonhos relatados no romance. É impressionante.
Vou deixar aqui minhas notas, caso queira dar uma espiada: na abertura, p. 19; p. 21; p. 51; p. 109; p. 127; p. 151; p. 156; p. 159; p. 206. na edição da Alfaguarra em PT-BR.
Descobri recentemente que o título original de The Road seria The Grail.
O pessoal tem citado muito um podcast literário de cinco páginas que fala da obra de Cormac McCarthy. São dois debatedores que não passam do impressionismo da própria experiência individual de leitura e repetem uma série de lugares comuns da internet sem sequer se dar ao trabalho de usar uma única fonte mais crítica e profunda sobre o trabalho do escritor. Entusiasmo de leitor é ótimo, contagia. O problema é quando isso se apresenta como conhecimento crítico, mas sem nenhum trabalho crítico além da experiência da própria leitura.
Eu gosto de recomendar sempre essa aula que mostra como Cormac McCarthy se alimenta de maneira voraz de outros textos. Cita direta e indiretamente trabalhos anteriores, como todo bom escritor. Se ele costumava ressaltar a força do inconsciente como energia criativa, também faz a sua parte. Nesse artigo recente, por exemplo, há observações bem interessantes do processo de apropriação de outros textos, tanto de conceitos e imagens como de frases. Por exemplo, trazendo A história da loucura, de Michel Foucault, para dentro de Meridiano de Sangue.
Acredito cada vez menos em ideias da própria cabeça, criadas ex nihilo.
Texto é tecido.
Em outubro, vamos ler Argonautas, da Maggie Nelson, um livro sem classificação, que também faz da citação um sofisticado método criativo. Minha proposta é que o livro seja lido como “um romance sem ficção”.
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O novo hit aqui em casa é o Canal Curta. Fizemos o teste de sete dias e adoramos. Tem ótimos documentários. Vimos uma série sobre arqueologia brasileira que é incontornável para pensar e repensar o Brasil, essa quimera. O episódio de abertura, sobre arqueologia na Amazônia, é fabuloso. Devo elaborar algo melhor sobre essa questão mais adiante.
Outra série muito boa, embora o recorte seja péssimo (99% homens brancos europa-EUA de cabeça branca), é a série Incertezas Críticas. O episódio com Didi-Huberman foi o que mais gostei. Consegue ser tão bom quanto seus textos.
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Gosto de tudo que a Luciene Azevedo escreve. O modo como pensa os problemas colocados pela Literatura Contemporânea. Ela lançou dia desses Pensar a ficção hoje (Papéis Selvagens). Recomendo muito.
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Escrevi um projeto de doutorado na Unicamp. Ainda não sei como vai ser.
Vou em breve com notícias.
É um dos autores que mais lemos por aqui na IS.
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